"... o sexo é fisiológico e diz respeito às diferenças biológicas entre machos e fêmeas da espécie humana. O sexo é determinado pelas características físicas, equipamento biológico que, de fato, é diferente em homens e mulheres. Já o gênero é cultural, ou seja, ser homem ou ser mulher não implica apenas na fisiologia, mas também em incorporar comportamentos, desempenhar papéis e funções sociais que historicamente foram designadas como masculinas e femininas" (TAVARES, 2006).


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O COMEÇO DO MACHISMO

Adão e Eva de Fernando Botero

O COMEÇO DO MACHISMO…   

Podemos perceber que as histórias bíblicas ou mitológicas, utilizadas para explicar a origem de tudo, já atribuem um lugar inferior e um caráter facilmente corruptível para as mulheres. Eva, por exemplo, criada após e a partir do homem (sua costela) é o grande pivô do pecado original, pois insatisfeita com sua condição e querendo ser mais do que poderia, afinal, a cobra prometeu-lhe que se esta comesse do fruto proibido poderia alcançar tudo o que desejasse sem ter que obedecer ao Criador. Então, Eva tomada por sentimentos ruins que não condiziam com sua construção de criatura perfeita criada por Deus, convence Adão a também comer o fruto, o único que não podia, e deu-se a desgraça deles e de seus descendentes – a humanidade.
Longe de qualquer preconceito em relação à religião, o que precisamos ter em mente é como tais questões foram e são interpretadas e internalizadas pela humanidade, ao longo dos tempos. Sim, porque tais passagens podem servir para a construção social da mulher como alguém não confiável, a responsável pelos problemas da humanidade. Serve também para legitimar e justificar práticas, ações, juízos de valor e todo tipo de violência a que a humanidade dispensou às mulheres, com o aval da história e da igreja, visto que esta última sempre exerceu forte influencia nas sociedades e, até os dias de hoje, ainda exerce forte influência em Estados laicos, o que explica a desigualdade de gênero, o porquê da mulher sofrer tanto (ora, ela esta pagando pelo seu pecado original!), o porquê de estereótipos e estigmas de fundo religioso e moralista acerca da mulher ainda serem aceitos até os dias atuais.
Tudo isso, sem dúvida, acaba por se reverter em construções de gênero, pois, uma vez que as mulheres já trazem esse ranço histórico de causadoras da barbárie, necessitam se purificar, ou seja, adotarem condutas adequadas para que possam se redimir e, consequentemente, livrarem-se da “herança genética” de Eva.
Tavares (2006), inspirada em Joan Scott, afirma que o gênero possui quatro dimensões e uma delas é justamente a dimensão simbólica, através da qual a cultura nos fornece símbolos que nos levam à percepção de dois modelos femininos antagônicos, por exemplo, a Virgem Maria/a santa e Eva, a pecadora ou mais recentemente, a mulher que é para casar e a outra que só serve para “ficar”.
Portanto, as mulheres precisam ser santas, purificadas, e a única forma de conseguir isso é seguindo os preceitos religiosos – casando-se (com um homem), procriando e vivendo inteiramente devotadas para a família. Além disso, devem ser mantidas sob vigilância, a fim de que não sejam corrompidas. Em outras palavras, enquanto a primeira é dessexualizada e se torna sinônimo de virtude, a segunda representa lascívia, desordem e perigo.
Tavares (2012), reportando-se a Del Priore (1993), argumenta que não é à toa, portanto, que “desde o Brasil Colônia, as mulheres serão submetidas a uma pedagogia pietista, de forma a favorecer a sociedade patriarcal e o projeto de colonização, povoamento, seu corpo adestrado para atender os interesses do Estado e da igreja, através da procriação. Ao mesmo tempo, contém-se a pretensa insaciabilidade, voracidade do desejo, “natureza” feminina, pois, a única forma para expurgar sua excessiva carnalidade era o exercício de uma sexualidade procriativa, dissociada do prazer. Dessa forma, é sacralizado o papel da mãe/mulher, para quem a concepção é um dever e, do seu oposto, a mulher mundana, cuja sexualidade é exercida livremente, para quem a procriação é um prazer. Se a primeira é venerada, a última é discriminada, denegrida, perseguida”.
Mas, nas mulheres contemporâneas, entre o novo e o velho, tais modelos se entrelaçam e, como anunciam os versos da canção de Rita Lee, nas duas faces de Eva, coexistem a bela e a fera.

FONTES:

TAVARES, Márcia. "Por que falar em gênero?". Texto elaborado para a disciplina Seminários Temáticos I do Curso de Serviço Social à distância da Universidade Tiradentes/ SE, 2006. Disponível em: <http://unitead.micropower.com.br>.
TAVARES, Márcia. A nova mulher frente ao velho homem, 2008. [inédito].
GALEANO, Eduardo. Espejos. Una historia casi universal. Siglo XXI editores. Madrid, fev. 2008.

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