"... o sexo é fisiológico e diz respeito às diferenças biológicas entre machos e fêmeas da espécie humana. O sexo é determinado pelas características físicas, equipamento biológico que, de fato, é diferente em homens e mulheres. Já o gênero é cultural, ou seja, ser homem ou ser mulher não implica apenas na fisiologia, mas também em incorporar comportamentos, desempenhar papéis e funções sociais que historicamente foram designadas como masculinas e femininas" (TAVARES, 2006).
É visível que a mulher negra tem desvantagens no acirrado mercado de trabalho. A escassez de oportunidades é sentida fortemente por essas mulheres. Observa-se que os maiores percentuais da mulher negra no universo do trabalho encontra-se relacionados ao emprego doméstico, sendo que essa atividade é extremamente desvalorizada e estigmatizada pela sociedade.
Mesmo nessa era, caracterizada pelo super avanço da ciência e também da tecnologia, a mentalidade de alguns indivíduos parece ainda estar com laços arraigados no passado.
Infelizmente, parece que o lugar e as atividades destinadas a mulher negra "como local e forma de trabalho" permeia nos imaginários como subalternos ligados aos trabalhos manuais e a cozinha. Essas atividades são caracterizadas por baixos salários, jornadas de trabalho elevadas e de na sua grande maioria estarem À margem da legalidade.
Alguns casos são extremamente absurdos, pois apesar de ocuparem o mesmo cargo ou função, as mulheres recebem salários inferiores as mulheres brancas. De acordo com SILVA (2003) as mulheres negras que conseguem conquistar um cargo melhor dependem de maior força que outros setores da sociedade. Até hoje ainda paira no ar o legado da escravidão, assim é difícil a mobilidade ascensional da mulher negra na conquista de um emprego melhor, pois a maioria das suas antepassadas sempre trabalhou na informalidade, ou como empregadas domésticas.
Essa aparente falta de espaço para as mulheres pode ser revertida através da conscientização e educação. Somente com uma boa formação escolar essas mulheres poderão se empregar, exigir seus direitos e afirmar seus espaços na sociedade.
Referência: SILVA, Maria Nilza da. As mulheres negras. Revista Espaço Acadêmico. Ano II - Nº 22, Março de 2003.
O discurso feminista do direito ao corpo
não é algo de agora, haja vista as mobilizações encabeçadas pelo lema “nosso
corpo nos pertence” surgido por volta do final dos anos 60 por feministas
norte-americanas. Mas,
recentemente, ganhou novo fôlego, devido à polêmica gerada pela Marcha das Vadias, que trouxe novamente para o debate da sociedade brasileira questões
como igualdade de direitos entre os gêneros, direitos reprodutivos e sexuais, violência
contra as mulheres e o bom e velho
machismo.
Apesar
de tais assuntos serem considerados por alguns (as) como “batidos”, o que
contribui para estes estarem até os dias de hoje causando polêmica é,
justamente, por conta de toda uma carga histórica de patriarcado, misoginia,
machismo e todas as outras heranças
malditas que a sociedade ainda insiste em perpetuar. Uma sociedade que em pleno século XXI, ainda
defende ser o corpo e a vida das mulheres propriedades de todos, menos dela
própria e, desta forma lhe dita como ser, comportar, vestir e pensar.
Acrescendo-se a tudo isso, a existência de uma pseudo-laicidade do governo
brasileiro que permite que a moral religiosa possa interferir na ordem
jurídica, fazendo com que, consequentemente, antigos estigmas e estereótipos
religiosos e moralistas continuem a atribuir o papel ou a utilidade da mulher
na sociedade.
Então,
o que vemos é a clássica tipificação dicotômica da mulher entre a “santa” e a
“puta”. A santa é a mãe, a dedicada, infantilizada, frágil, aquela defendida
pelos preceitos religiosos e cujo único propósito de vida é casar-se e
dedicar-se à casa, aos filhos e, claro, ao marido; Do lado oposto está a puta,
vadia, mulher fácil, despudorada, aquela que se deve abominar, pois esta quer
acabar com a ordem social estabelecida, tomar o lugar dos homens, acabar com a
família, a moral...
Há hoje
quem defenda – revistas, programas de TV, propagandas, etc. que se dizem
direcionados para o público feminino – a mulher ambígua, santa na rua e puta na cama, não sabendo @s tais que, esta é apenas
uma forma mais sutil de mascarar a tentativa de dominação e regulação da vida
dessas mulheres, ou seja, aquela falsa liberdade de que algumas se gabam.
Desta
forma, o que se percebe é certa camuflagem e naturalização de tais estereótipos
pela sociedade, o que inclui as próprias mulheres, que pressionadas a seguir
tais padrões de conduta, só veem a possibilidade de escolha entre essas duas
opções, ou ser “santa” ou ser “puta”, algumas vezes, literalmente.
Aquelas
que, por ventura, se recusam a aceitar tais estereótipos são consideradas as
subversivas, as polêmicas, mal amadas que precisam ser combatidas, pois são
ameaças ambulantes aos bons costumes. As feministas que o digam! Essas que vêm tentando ao longo dos anos
conscientizar a sociedade e, em especial, as próprias mulheres a lutarem por
igualdade de direitos e autonomia de poder serem donas de suas vidas, de seus
corpos, sem serem violentadas, discriminadas nem oprimidas por isso, são alvos
de questionamentos, piadas, discriminação, descrédito e desfiguração de seus
ideais e bandeiras.
Podemos
dizer que o momento em que as ideias feministas começaram a incomodar a sociedade tenha sido a
partir das décadas de 60/70, onde o feminismo falava sobre a necessidade de
instrumentos de resistência e mobilização por parte dos movimentos de mulheres a
engajar-se, primeiramente, na luta por direitos políticos (votar, ser eleita);
e mais tarde na luta por direito ao corpo, liberdade e prazer, ou seja, a
revolução sexual.
Os
movimentos feministas procuram e procuraram, ao longo dos anos, fazer surgir
uma “nova mulher” livre das amarras que sempre a prendeu. Contudo, o mercado e
a mídia sempre ávidos por lucros, seguindo a lógica de funcionamento da
sociedade capitalista, deturparam a imagem dessa “nova mulher” pretendida pelo
feminismo e, a fim de atrair consumidores e telespectadores, começam então, a
mercantilizar e objetificar a imagem da mulher e de seu corpo. Assim, passa a
ser um meio eficaz de venda e audiência a exploração sexual do corpo e da
imagem da mulher em programas de TV, filmes, novelas, propagandas, anúncios,
nas artes em geral.
No entanto, paradoxalmente, à objetificação
adotada pelos mercados e a mídia, o comportamento sexualmente liberado das
mulheres assusta e indigna as
sociedades mais conservadoras, como o Brasil, que julga e condena tais mulheres.
E, o que assistimos até hoje é a sexualidade feminina ainda ser tratada como um
tabu. A sociedade não entender que assim como os homens, as mulheres gostam de
sexo, de exercer sua sexualidade livremente, longe de regras e padrões; que a
mulher sente desejo e quer ter prazer e que isso nada tem a ver com seu
caráter, ou falta dele.
Na
cultura brasileira mesmo, onde a imagem representada internacionalmente é,
justamente, a figura de uma mulata, seminua, sambando ao som de um pandeiro
(aliás, este é outro grave problema na questão da objetificação do corpo
feminino: a mulher negra, aquela que historicamente foi tratada e retratada
como a sexualmente ativa, um pedaço de carne sempre disponível para o consumo,
antes do senhor de engenho, hoje de qualquer um), há quem se ache no direito de
chamar e tratar uma mulher como vagabunda,
puta,vadia, piriguete, ou culpá-la por um estupro, um assédio, pelo simples
fato dela usar uma roupa curta, ou decotada, por seu jeito de andar, seu
comportamento sexual, por namorar ou transar com mais de um homem (o que é
aceitável para um homem).
E, é
por esse moralismo, conservadorismo e preconceito existentes, ainda hoje, que o
Brasil esta longe de ser um país verdadeiramente democrático, que respeita as
diversidades. Pois sempre que surge qualquer tentativa de abalar ou questionar
os padrões sociais estabelecidos, esta é rechaçada, banalizada ou contestada,
como foi a polêmica em torno da Marcha das Vadias.
Primeiramente,
pela forma como as mulheres saíram em marcha, despidas – com seios e barrigas à
mostra com frases de efeito pintadas, cinta-liga, sutiã e todo tipo de trajes
que fazem parte do fetichismo masculino e são também, muitas vezes, as
justificativas dadas por quem discrimina, agride, assedia e ofende mulheres;
Depois, por conta do nome do movimento, pois os “politicamente corretos”
acharam um absurdo as protestantes se auto-intitularem vadias, já que este é um xingamento designado a “mulheres fáceis”,
argumentando ainda, que tais atitudes só contribuíram para tirar a
credibilidade da marcha.
Mas, é
claro que tal polêmica não foi produzida somente por ignorantes, desconhecedor@s
do real objetivo de tais atitudes das participantes do movimento, mas também
fez parte de uma estratégia daquel@s que não querem ver conquistados os
direitos pelos quais a marcha reivindica; aquel@s a quem interessa que as
mulheres sejam subjulgadas, oprimidas, pelas suas roupas, seu comportamento sexual
e afetivo, a quem interessa a dominação sobre a mulher e a invalidação de
qualquer tentativa de libertação.
E, mesmo que algumas daquelas mulheres
presentes na marcha, ou fora dela, quisessem reivindicar o direito de exibir
seus corpos, quer seja para homens ou para si, porque lhe gera conforto,
satisfação e auto-estima, o que tem de errado nisso? Afinal, não somos todos
“livres” para nos expressar e viver da forma que nos convier? Desde que se
respeite a liberdade e o espaço do outro, todos, em tese, fazem o que bem
entender de suas vidas...
Por que
então se incomodar com o que @ outr@ esta vestindo ou fazendo? Se a mulher
decide pela não maternidade, ou se relacionar sexualmente com outra mulher, ou
se ela quer ter uma carreira profissional e ser mãe, vestir roupa curta,
namorar muit@s... Essa foi uma escolha dela, ninguém precisar concordar, apenas
respeita-la!
Por
fim, não se trata de apologia à promiscuidade ou “falta de vergonha”, mas uma questão de reivindicação de
direitos.Direitos que mulheres de diferentes épocas lutaram e lutam até hoje,
por conquistar; direitos universais e que devem ser garantidos a todo e
qualquer ser humano, independente do seu sexo, cor, religião ou posição social.
Trata-se
da busca incessante por liquidar todos os métodos disciplinares (a la
Foulcault), opressores, repressores, violentos e dominadores que colocam a
mulher em uma posição inferior, negando-lhe, muitas vezes, sua humanidade,
inteligência, cidadania, poder de escolha e decisão. A opressão simbólica e
real que ainda faz parte, implícita ou explicitamente, dos discursos e dos
valores culturais dominantes.
Muito
já foi conquistado, não podemos negar, mais muito ainda precisa ser feito,
mobilizado, reivindicado enfrentado e questionado, para que, enfim, mulheres
possam exercer suas escolhas e comportamentos sexuais da forma como bem
entenderem, sem violência ou repressão e que:
“conquiste o direito de ser uma nova mulher
Livre, livre, livre para o amor...
Quero ser assim, quero ser assim
Senhora das minhas vontades e dona de mim...”
(Simone, “uma nova mulher”)